quarta-feira, 6 de julho de 2011

Errar Outra Vez

Decidi relembrar um texto que coloquei no ano passado!

Aqui vai:

«Conhecer alguém. Aprender alguém. Achar que se conhece – que se sabe dessa pessoa, quem é, o que pensa, o que sente e como, de que é e não é capaz.
Dizer: sei quem és. Pensar: sabes quem sou. Confio em ti. Confia em mim. Pôr a mão no fogo. Pôr tudo no fogo. E pensar, enquanto se põe: e se for um erro? Pôr tudo no fogo sabendo que é quase sempre um erro.
Esperar. Esperar que não seja como quase sempre, esperar que seja como quase sempre. Às vezes é difícil perceber o que se espera, aquilo em que se aposta. Talvez se aposte apenas, a partir de certa altura, em acertar. Quer dizer: em ter errado.
É mais seguro, esperar pela certidão do engano. Uma espécie paradoxal de seguro, o de antecipar o desastre – mas não é disso mesmo que vive o ramo? Sim, o mais certo é errar.
Erramos até sobre nós, como não sobre os outros? Imaginemos, porém, que conseguíamos mesmo saber o que os outros pensam. Ouvi-los como nos ouvimos a nós nos nossos solilóquios, o que acham mesmo disto e daquilo e deste e daquele, o que querem e o queriam mesmo dizer quando disseram outra coisa qualquer. Imaginemos que à primeira vista marcávamos os que nos iam iludir e desiludir (de uma forma ou de outra, todos, certo?) e adivinhávamos como. Não como fazemos agora, exercitando o cálculo de probabilidades e aguçando a intuição, mas com certeza e certificação. Como seria? Haveria lugares ermos suficientes para tantos misantropos?
O momento em que desistimos de nos enganar, o momento em que o medo vence a curiosidade e desistimos do enlevo, do doce, irrepetível entusiasmo de aprender — prender – cada alguém; o momento em que dizemos "não vale a pena", "é sempre o mesmo"; o momento em que decretamos o fim da aventura e nos seguramos ao seguro, ao silêncio; o momento em que nos ensimesmamos (que verbo este?!) e corremos todos os ferrolhos e ligamos o alarme – não vá alguém entrar, passar as barbacãs e os fossos, galgar a última muralha – nesse momento estamos mortos.
Não há outra forma de viver senão aceitando a norma que Philip Roth decreta em American Pastoral: "Erramos sobre as pessoas antes de as encontrarmos, enquanto antecipamos o encontro; erramos enquanto estamos com elas; e depois vamos para casa e contamos a alguém como foi o encontro e erramos de novo. Como o mesmo sucede com as outras pessoas em relação a nós, a coisa acaba por ser uma deslumbrante ilustração vazia de qualquer sentido, uma espantosa farsa de mal entendidos. E que havemos nós de fazer quanto a este terrivelmente significante assunto que são as outras pessoa, assim esvaziado do significado que achávamos que tinha e parecendo-nos antes caricato, tão completamente incapazes somos de penetrar os íntimos e desejos uns dos outros? Será que temos todos de desaparecer e trancar a porta e sentarmo-nos isolados como os escritores solitários, numa cela insonorizada, convocando pessoas através da escrita e fazendo de conta que essas pessoas feitas de palavras são mais reais que as pessoas verdadeiras que desfiguramos com a nossa ignorância todos os dias?
A verdade é que a vida não é acertar no que as pessoas são. Viver é errar sobre as pessoas, errar, errar, errar e depois, voltando a pensar cuidadosamente sobre o assunto, errar outra vez. É assim que sabemos que estamos vivos: erramos.Talvez o melhor fosse esquecer isto de acertar ou errar no que às pessoas diz respeito e limitarmo-nos a deixar-nos ir. Mas, claro, sortalhudo o que conseguir fazer isso."
A tradução é longa e improvisada (feita directamente do original, pelo que perdoem imprecisões e "frases esquisitas"), mas este excerto de Roth é bom de mais para não ser partilhado.
Errar, errar, errar, então. É o que temos, não há mais nada. Mas com paixão, nunca desistindo. Não porque um dia esperemos acertar, não. Mas porque nunca nos habituamos à ideia.»

Fernanda Câncio, in Notícias Magazine

Para reflectir....

"Desculpa... Tu fizeste-me sorrir, mas ele faz-me chorar..."



Porque no verdadeiro amor nunca há só sorrisos! ;)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Como é que se Esquece Alguém que se Ama?

Mais um texo deste senhor... para reflectir! Dedicado especialmente a uma amiga!

"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar."

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'